o descaminho de marssares.






Parte da produção atual pode ser resumida como arte de criar sua própria exibição, em detrimento à arte moderna (muitas aspas nisso): arte de criar seu próprio nexo.  Essa preocupação com a exibição faz da instalação meio praticamente ideal. A busca pelas formas como se devem adequar trabalhos artísticos ao espaço, como contextualizar meios e materiais muitas vezes díspares, a uma espécie de totalização. O artista que é
uma espécie de curador subserviente a outro curador num jogo politico de barganhas simbólicas e conflitos pelo espaço que é seu suporte essencial.
A instalação, ou melhor, o conceito de instalação e consequentemente de exibição se tornou mesmo uma diretriz e ainda mais uma cartilha para proposições que acaba de certa maneira eclipsando idiossincrasias. Pois paradoxalmente temos o ensejo de produções particulares que caem numa repetição de roupagem, da estruturação de um espaço autônomo dentro de outro espaço contaminado de determinações: o espaço expositivo com e e a maiúsculos.
Mesmo que essa discussão seja batida, penso que é ainda necessária. Existe uma recusa cínica ou dissimulação do que ainda mesmo que travestido continua como um acordo tácito entre o artista e a instituição. O dispositivo espaço expositivo é ubíquo, mesmo as tentativa de desconstrui-lo cumprem apenas sua reificação. Os joguetes discursivos contemporâneos são de uma contradição feliz. Feliz da benevolência de poder se deitar sobre evidências incompletas e ainda assim se manter conspicuamente racional e burocrata.
Tive o prazer de acompanhar Marssares, e apesar das inúmeras possíveis análises sobre seu processo de trabalho, fiquei mesmo pego quanto ao uso do espaço e as formas de exibição, mais ainda sobre a dificuldade de se decidir manter ou não certa integridade de uma proposição inicial quando de encontro com sua efetuação. “Estalos de Sal” é um evento de contradições. De descaminhos. Que começam pelo projeto; passando por sua primeira disposição; e assim até uma experiência, mesmo que pueril, de sua desconstrução.
O cambiante desses momentos do mesmo trabalho que me interessou. Quando sugeri mesmo que rapidamente no primeiro texto que escrevi sobre Marssares, algo sobre evanescência em relação a sua produção pensava na carência de completude que via (que projetava necessária) em seus projetos. Ainda não havia compreendido seu desprendimento, talvez eu seja mesmo um pouco coxinha ou apegado demais a uma noção de projeto como plano para a realização de um ato ou de um construído; e nesse caso essa definição se distorceu até mesmo a ser resumida como objetos e atos quase inconsequentes que em conjunto se dão em um plano. No caso o plano seria o espaço disponibilizado para o artista.
O espaço expositivo do Centro Cultural São Paulo é um espaço contraditório. Não foi projetado para abarcar exposições. Quando digo contraditório é por ser um espaço fácil/difícil. Fácil por poder ser reconstruído e remanejado, difícil uma vez que deve ser pensado desde o zero. Acho que essa condição sempre seduziu artistas. E não apenas essa condição de múltiplas possibilidades de uso do espaço, a diversidade de seus visitantes e sua função de espaço público. Uma antagônica situação de espaço heteronômico institucional e ao mesmo tempo de livre circulação heterogênea.
Na primeira ordenação de “Estalos de Sal”, como havia pensado, aqueles quase imperceptíveis estalos de sal gravados perdem-se completamente dentro da estrutura. O artista exibe até certo deslumbre com a dimensão da área e as possibilidades de sua utilização lhes dadas pela instituição (e tem nego enchendo o saco quanto ao financiamento estatal à cultura).  Nesse momento ainda se preocupa com uma espécie de caminho, há uma espécie de passagem construída com mdfs sobre telhas de zinco em direção à saída ao jardim suspenso. Os sons são confusos, esse caminho e outros dispositivos sonoros sugere a intervenção dos visitantes para sobreposição de outros ruídos. Conforme a consciência de um público heterogêneo o trabalho ainda me parecia um tanto didático. Reafirmando o espaço público ao simular algo como um playground, um passeio no meio de uma “floresta” de tranqueiras, gadgets, cordas que suspendem equipamentos, luzes e rabisqueiras...
Tempo depois me surpreendo com a atitude do artista. Ele dá ainda um passo adiante fora, abraçando um esquema indeterminado. Assumindo o indiferenciar do produto artístico de sua própria exibição ele simplesmente caotiza sua instalação que se torna algo como resíduos de um happening individual, na real o artista dá um foda-se. Não há mais um caminho. A instalação é centrífuga, foge do centro de um projeto, há uma desordem que orbita algo que seria um eixo: os woofers de onde partem sons indistinguíveis e não mais imperceptíveis como os dos estalos de sal. É essa passagem do sutil ao confuso, do imperceptível ao indistinguível dentro de um uso corajoso do espaço, do desleixo ideado de uma exibição caótica, da desistência de uma predeterminação de significado, o que acho o mais interessante na exibição daquela zona toda.


     
Publicado no Catalogo da I Mostra do Programa de Exposições 2015 do CCSP.





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