Empena Cega é uma intervenção do Thiago Bortolozzo na fachada da entrada ao Piso Caio Graco no Centro Cultural São Paulo. Esta intervenção funciona como uma espécie de interlúdio entre diferentes dispositivos. São necessários alguns apontamentos sem ordem de relevância que tentariam tangenciar as proposições envolvidas no projeto.
A estrutura de tapumes: a utilização de tapumes para proteção e camuflagem de estabelecimentos comerciais e construções fez com que esse tipo de estrutura entrasse em um estranho dialogo com a cidade e seus habitantes. Representam a estrutura arquitetônica efêmera por natureza. E em sua eficácia fazem desaparecer e têm que desaparecer. Mas, contraditoriamente, mesmo em construções, o que antes eram velhos tapumes quase restos de material, acabaram adquirindo outro status. Por exemplo, em lojas em transição ou mudança, essas paredes de caibros e compensados de madeira além de protegerem e esconderem o que está em obra são também suportes para propagandas. Anunciam aquilo que não está mais lá, pelo menos não da forma que estava.
Recentemente temos ainda outro
uso para tapumes: para proteção de equipamentos simbólicos de poder. Especialmente
para a proteção de suas vitrines. Vitrines que sempre foram vitimas mais
frágeis e fáceis em manifestações. Com a não tão nova disseminação de
manifestações políticas, como a hiperdimensionada “jornada de Junho”. Bancos,
prédios institucionais ou lojas que representam grandes corporações começaram a
utilizar desse dispositivo. Bortolozzo há algum tempo fez uma série fotográfica
registrando não apenas o uso ordinário de tapumes, mas justamente esse tipo de
aplicação estratégica no bairro de
Kreuzberg em Berlim. Além dos registros também fez intervenções com
imagens que explicitavam o contexto político desses diferentes níveis de
intervenção.
Mas penso que esses tapumes não
agem apenas como proteção, ainda tem a função de camuflar o significado desses
prédios, ou mesmo dissimula-los, subtraindo seu peso simbólico. E bloqueando o diálogo instantâneo que mantém
com os passantes. Seria quase o inverso
da publicidade. Desanunciam aquilo que de qualquer forma esta lá.
Passamos então a função da
vitrine. As vitrines que seduzem e repelem... que exibem mas protegem. Todos
podem ver, mas só alguns poderão comprar. A história da vitrine se confunde com
a do moderno fetichismo da mercadoria. Uma vitrine que não funcionasse numa
lógica de distinção perderia muito de seu sentido. No caso dos bancos também acabam
servindo a uma ambígua condição de proteção: seleção e contenção de fluxo daqueles
que entram e ao mesmo tempo a proteção pela exposição daqueles que de dentro
são vigiados de fora. Em manifestações destroem-se as vitrines como resposta
física ao peso simbólico do lugar, maculando-o mesmo que de forma pueril. Como se libertassem dali seus objetos e
abrissem os espaços para um outro comportamento com outros gestos possíveis. Invadir agências
e danificar o funcionamento de caixas eletrônicos é muito diferente de rouba-las.
Em um centro cultural, da mesma
forma que em um banco, as paredes e portas de vidro em sua fachada
inevitavelmente nos remetem a vitrines e sua função, impregnando de um caráter mercadológico
e homogeneizante muito maior do que se fossem uma simples escolha
arquitetônica. Correlatos: o banco, a loja, o centro cultural, o museu.
Bom, Bortolozzo fecha a vitrine
com uma grande estrutura de tapumes. E assim estabelece outro nexo entre a
instituição e sua arquitetura. Sua intervenção como um elemento que
justificaria outra interpretação da relação entre esses mesmos dispositivos (o
espaço físico e o institucional, o visível e o enunciável). Há uma evidente mudança de comportamento
daqueles que passam pela fachada/vitrine do Centro Cultural São Paulo. De
repente a entrada esta bloqueada, mas sem indícios de uma construção em
processo. Há também o caráter de neutralização, de camuflagem simbólica do prédio
que passa a ser qualquer prédio ou tanto prédio nenhum. Invisíveis se tornam
sua função, seu conteúdo, seu valor...
A intervenção se torna um
elemento deslocado entre vários contextos e acaba causando um efeito negativo
de forma estratégica. Criando outra visibilidade pelo desaparecimento, e no
caso também estimulando outro desejo de acesso pela obstrução, lembrando que os
seguranças também não são mais vistos de fora. E indo além, reafirmando a
clausura dos objetos ali expostos contrapondo-se à utópica relevância cultural e
acessibilidade apregoada aos mesmos pelo dispositivo institucional.
Empenha Cega paira na intersecção
de diferentes dispositivos (aparatos e técnicas dinâmicas de forças entre as
regras para nosso comportamento e nosso comportamento diante as regras) e suas
respectivas promessas: o centro cultural e a acessibilidade pública; a arquitetura
e sua funcionalidade; a instituição artística e sua autolegitimação; a
intervenção artística específica (que adviria da fricção entre as últimas); e
finalmente a crítica institucional.
Publicado no Catalogo da III Mostra do Programa de Exposições 2014 do CCSP.
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